As novas fronteiras da soja

            No Brasil, a sojicultura tem se destacado entre as principais culturas anuais pela expansão da área e da produtividade desde o início da década de 1970. Recentemente, a elevada liquidez proporcionada pela forte procura no mercado internacional, em função da preferência por produtos de origem vegetal em substituição aos de origem animal para a produção de rações, tem impulsionado ainda mais o plantio da oleaginosa no país.
            A área cultivada com soja no Brasil cresceu na ordem de 5,3% ao ano, entre 1993/94 e 2002/03, ao passo que sua participação relativa na área total das principais culturas anuais saltou de 29,4% para 42,2%, nesse período (figura 1).

FIGURA 1 – Área plantada das principais culturas anuais1 e de soja, Brasil, 1993/94 a 2002/03.

Fonte: Elaborada a partir de dados da Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB)2.

            Dois tipos de tecnologias contribuíram para o crescimento da produção de soja no Brasil: um visava ao aumento de produtividade e redução de custos, amplamente utilizado nas regiões tradicionais, e o outro possibilitou a expansão da área nas fronteiras agrícolas, com destaque para a agricultura do cerrado, resultado da combinação de modernas tecnologias mecânica, química e biológica específicas para as condições dessa região. Nesse sentido, as projeções realizadas nas décadas de 70 e 80 subestimaram a capacidade de crescimento da produção brasileira, pelo fato de não ter sido considerada a possibilidade do surgimento de inovações tecnológicas orientadas à expansão nessas áreas, indispensáveis à melhor compreensão da evolução da cultura no país3 .
            Estudo realizado pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA)4, com o intuito de avaliar as potencialidades da agricultura no Brasil, estimou que de 70 a 90 milhões de hectares de pastagem seriam passíveis de produção de grãos. A proximidade das áreas agrícolas, a topografia, as condições favoráveis do solo e, em especial, a rentabilidade da soja têm viabilizado a conversão dessas áreas em favor da oleaginosa.

Em quais regiões avança o plantio de soja?

            O sul do Maranhão e do Piauí, o norte do Tocantins, o oeste do Pará e a região de Vilhena em Rondônia constituem áreas potenciais e, desde meados da década de 80, já apresentam uma expansão da cultura, graças às tecnologias desenvolvidas pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA)5.
            Na região norte, a par da pequena representatividade em área e em produção, Rondônia apresenta o mais elevado rendimento da cultura, num intervalo entre 2.697 quilos por hectare e 3.120 kg/ha, no período de 1994/95 a 2002/03, superior à média nacional (2.175-2.816 kg/ha) e à obtida no centro-oeste (2.212-2.965 kg/ha). Em Tocantins, maior produtor da região, a produtividade da soja cresceu com maior vigor nas últimas safras até alcançar 2.550 kg/ha em 2002/03. Com cultivos mais recentes, Roraima, Amazonas e Pará também registram crescimento no rendimento médio das lavouras (figuras 2, 3 e 4).

FIGURA 2 – Área cultivada com soja, por Estado, Brasil, 1994/95 a 2002/03.

Fonte: Elaborada a partir de dados da CONAB2.

            Na região nordeste, o comportamento da área e da produção não difere do observado nas demais unidades da federação, especialmente na Bahia e no Maranhão que se configuram como os maiores produtores. Por sua vez, o Piauí destaca-se pela produtividade, que ,com exceção da safra 2001/02, tem sido a mais elevada da região nos últimos anos (figuras 2, 3 e 4).

FIGURA 3 – Produção de soja em grão, por Estado, Brasil, 1994/95 a 2002/03.

Fonte: Elaborada a partir de dados da CONAB2.

FIGURA 4 – Produtividade da cultura da soja, por Estado, Brasil, 1994/95 a 2002/03. 

Fonte: Elaborada a partir de dados da CONAB2.

            As perspectivas para a safra 2003/04, consideradas as previsões realizadas pela CONAB, mostram que a área plantada com soja no Brasil deve alcançar 20,9 milhões de hectares, com acréscimo de 13,3%, em comparação com a safra anterior. A região norte é a que deve apresentar, em termos relativos, o maior crescimento, de 45,1%, com destaque para Pará (110%) e Tocantins (43%). No centro-oeste, o aumento deve ser de 18,4%; no sudeste, de 11,5%; no sul, de 8,9%; e no nordeste, de 3,4%.
            Ademais, corroborando de forma decisiva para a expansão da cultura nessas regiões está a crescente utilização do Porto de Itaqui, localizado em São Luiz no Maranhão. Essa via de escoamento do grão apresenta localização privilegiada quando comparada aos outros portos nacionais, em relação à exportação para a Europa, o principal mercado do produto brasileiro. Essa infra-estrutura à jusante da sojicultura torna a rota uma alternativa estratégica importante para a exportação do produto, que passou de apenas 298,8 mil toneladas embarcadas em 1997 para 649,8 mil toneladas em 2002, ou seja, mais do que dobrou no período (figura 5).

FIGURA 5 – Quantidade de soja em grão embarcada nos portos brasileiros, 1997 a 2002.

Fonte: Elaborada a partir de dados de Safras & Mercado6.

            Por sua vez, os Escritórios de Desenvolvimento Rural (EDRs) de Presidente Prudente e de Presidente Venceslau, no oeste paulista, são caracterizados pelo uso do solo predominantemente para pastagem, a qual correspondeu a 80,1% e a 85,8%, respectivamente, da área total ocupada pelas atividades agropecuárias, em 2001. O diferencial entre as áreas de pasto e agrícola também pode ser constatado pelo fato de a cana para indústria ter sido a principal atividade agrícola e representado apenas 5,7% e 2,2%, nos respectivos EDRs, segundo o IEA/CATI.
            A pecuária está presente na região desde a chegada de invernistas na segunda metade do século XIX. Com o interesse no plantio do café, grandes glebas foram loteadas e a ocupação intensificada nas duas primeiras décadas do século XX. Em virtude da crise da cafeicultura, teve início o ciclo do algodão e do amendoim, inclusive com a instalação de agroindústrias. Nos anos 50s, com o esgotamento do solo, queda de produtividade e dificuldades de comercialização, as lavouras foram substituídas pelas pastagens, cuja expansão foi influenciada pelo estabelecimento dos primeiros frigoríficos na região7.
            Em princípio, o recente avanço da sojicultura tem configurado a nova fase da agricultura no oeste paulista. Entre 1999 e 2003, a área cultivada com soja no EDR de Presidente Prudente evoluiu de 16,8 para 55,5 mil hectares (230%) e a produção, de 45,0 para 165,3 mil toneladas (267%). Embora em menor escala, Presidente Venceslau apresenta a mesma tendência. Juntos, esses EDRs chegaram a representar 12% da produção estadual de soja em 2003 (figura 6).

FIGURA 6 - Participação percentual dos EDRs de Presidente Prudente e de Presidente Venceslau na produção de soja em grão do Estado de São Paulo, 1999 a 2003.

Fonte: Instituto de Economia Agrícola (IEA) e Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (CATI).

            A produtividade da cultura da soja na região, de 2.952 kg/ha em Presidente Prudente no último triênio, também é um aspecto a ser assinalado, na medida em que tem sido superior à média do Estado de São Paulo, de 2.661 kg/ha.
            A área de soja deve ser de 678,2 mil hectares na safra 2003/04, no Estado de São Paulo, com aumento de 10% em relação à anterior, segundo a previsão do IEA/CATI. No EDR de Presidente Prudente, deve alcançar 65,9 mil hectares (18,9%) e em Presidente Venceslau, 17,5 mil hectares (58,2%).

Considerações finais

            O avanço da sojicultura no norte do país tem levado a um aumento do receio de que isso contribua para acentuar o desmatamento da região amazônica. Em estudo sobre o regime pluviométrico amazônico, constatou-se que o clima quente e úmido da maior parte da região favorece a propagação de pragas e doenças, de modo que apenas a 'Amazônia seca' (que corresponde a 17% e se situa ao sul da Amazônia Legal) apresenta possibilidades para que as atividades agropecuárias tenham êxito econômico8.
            Assim, as melhores condições para a expansão da cultura estariam presentes em áreas de cerrado, de campo (de transição cerrado-floresta) ou ainda em áreas já desmatadas e degradadas de projetos pecuários. Entretanto, mesmo que a expansão da soja não implique em mais um fator de pressão sobre a área de floresta, devem ser considerados os riscos potenciais ao meio ambiente, como a contaminação de mananciais e alterações nas condições do solo, advindos do uso intensivo de insumos e máquinas. Corroborando com essa idéia, seminário sobre lavouras de grãos na Amazônia, realizado pela EMBRAPA, ressalta 'que estas áreas não estão livres de riscos ambientais, à semelhança das áreas de produção agrícola tradicionais no restante do Brasil. Assim é necessário que as estratégias de ocupação sejam analisadas com o devido cuidado, evitando repetição de equívocos do passado. Ademais, quando se implementa a produção de grãos em áreas previamente utilizadas como pastagem, agregam-se riscos devido ao uso intensivo de fertilizantes e agrotóxicos. É importante ter em mente a ocorrência de mais de 40 doenças causadas por fungos, bactérias, vírus e nematóides, que terão impacto nas culturas de soja e do milho realizadas nessas áreas' 9.
            Em geral, o avanço da sojicultura nas regiões novas e seu renovado fôlego nas regiões de cultivo tradicional pela reforma de pastagens têm se apresentado como os principais fatores para sua expansão mais recente. Qual é o limite para a expansão da cultura no território brasileiro? A resposta a essa pergunta é complexa e precisa ser melhor equacionada, inclusive sob o aspecto da sustentabilidade do cultivo nessas áreas.
            O que se sabe nesse momento é que os condicionantes para refrear esse avanço ainda não estão presentes no cenário atual. Pelo contrário, os Estados Unidos confirmaram perda acentuada na safra 2003 de soja e os analistas sinalizam que a demanda mundial pelo grão e seus derivados deve ser maior do que a produção em 2003/04, o que no mínimo sinaliza preços estimulantes aos produtores brasileiros para a próxima safra.
            O que resta saber é se o clima se apresentará adequado ao desenvolvimento da cultura e, finalmente, se os preços dos insumos se comportarão segundo os demais preços da economia brasileira, pois, caso contrário, um aumento elevado dos custos poderá frear e mesmo desestimular a atual euforia em torno da sojicultura.

1 Referem-se a algodão, amendoim (1a e 2a safras), arroz, aveia, centeio, cevada, feijão (1a , 2a e 3 a safras), girassol, mamona, milho (1a e 2a safras), soja, sorgo, trigo e triticale.
2 CONAB: http://www.conab/gov.br.
3 WARNKEN, P. O futuro da soja no Brasil. Revista de Política Agrícola, Brasília, Ano IX, n.2, p.54-65, abr.-maio-jun., 2000.
4 Brazil: future agricultural expansion potential underrated. www.fas.usda.gov.
5 EMBRAPA Soja. A cultura da soja no Brasil. Londrina: Embrapa Soja, 2000. CD ROM. www.cnpso.embrapa.br.
6 Safras & Mercado www.safras.com.br.
7 HESPANHOL, A. N. et al. Problemas e potencialidades da região de Presidente Prudente: o papel do Fórum Regional de Desenvolvimento. www.prudente.unesp.br .
8 SCHNEIDER et al. (2000), citado por MUELLER e BUSTAMENTE (2002).
9 MUELLER, C.C.; BUSTAMENTE, M. Análise da expansão da soja no Brasil. Versão preliminar, abril de 2002. www.worldbank.org.

Data de Publicação: 17/12/2003

Autor(es): Marisa Zeferino (marisa.zeferino@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
Roberto de Assumpçao (rassumpçao@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor