E-commerce no setor agrícola

            Estima-se que o comércio, na União Européia, totalizará cerca de $19,060 trilhões de dólares em 2005, representando aproximadamente um terço do comércio mundial. Desse total, o e-Comércio1 ou comércio 'on line' atingiria uma receita bruta de $2,527 trilhões de dólares.2
            Para tanto, devem ser considerados os inúmeros sites e portais que existem. Análises anteriores previam para 2001, na União Européia, ao redor de 25.000 locais operacionais do e-comércio, dos quais entre 1000 e 1500 destinar-se-iam à agricultura e ao setor de alimentos. Estes locais virtuais seriam também responsáveis por cerca de 14% do comércio na agricultura, reflorestamento e indústria da pesca 'on-line' em 2005.2
            Este grau de desenvolvimento teria o potencial para mudar as estruturas organizacionais das comercializações nacionais e internacionais. Entretanto, no caso europeu, dada a natureza diversa e fragmentada da sua agricultura, esta alteração se daria de forma diferenciada da que ocorre nos Estados Unidos da América, devido a diferenças de estrutura organizacional da agricultura, que de forma mais geral favorece sobremaneira o comércio eletrônico.
            No Brasil, o faturamento do comércio eletrônico, em 2004, foi de 1,75 bilhão de reais, com crescimento de 47% em relação a 2003 - '...o crescimento indica também que mais pessoas aderiram às compras virtuais - no final de 2003, tínhamos cerca de 2,5 milhões de consumidores online; no final de 2004, esse número subiu para três milhões, um crescimento de 20%...'. Para 2005, o estudo que aponta estes números previa um crescimento de 30% no faturamento do comércio eletrônico, chegando a 2,3 bilhões de reais.3
            Na agricultura, um dos ideais dos agricultores em geral, especialmente dos pequenos e médios produtores agrícolas que dependem do trabalho diário dos familiares e que gerenciam pessoalmente seu negócio, é dispor de uma forma de contatar diretamente os consumidores, mas isso torna-se quase impossível uma vez que não podem deixar o trabalho direto no campo. Um dos aspectos mais importantes do comércio eletrônico - via Internet - é o de abrir essa possibilidade de forma que possam também escapar dos intermediários ou atravessadores. Na Internet, a relação de e-Comércio entre produtor e consumidor ainda é muito mais complexa do que a relação entre empresas.
            As dificuldades na comercialização de produtos agrícolas em reduzida escala são agravadas pelo fato de que muitos pequenos e médios produtores praticam uma agricultura bastante diversificada e também muitas vezes têm criações no estabelecimento agrícola. O e-Comércio poderia facilitar a concentração e colocação desses produtos no mercado.
            Pequenos e médios produtores agrícolas dependem em grande parte das suas relações com o mercado. Atualmente, predominam ainda relações físicas, sejam através de empresas de comercialização intermediárias ou mesmo através de cooperativas. Estas formas de comercialização exigem dos produtores períodos em que são obrigados a se ausentar do estabelecimento agrícola para efetuar a venda de seus produtos. A utilização do e-Comércio poderia minimizar esse problema.
            Como o uso do e-Comércio necessariamente exige a utilização da Internet, os produtores passam também a ter uma vantagem adicional, que é ter à sua disposição um poderoso instrumento para auxiliar na gerência do agronegócio. Assim, podem ter acesso aos preços 'on-line' de insumos e de seus produtos nos mercados internacional, nacional, regional e estadual. Isto pode servir como referencial para suas negociações; realizar compras e vendas; aplicar procedimentos que resultem na certificação da rastreabilidade da sua produção; informar detalhes de faturas e realizar qualquer outro tipo de comunicação a distância.
        Em relação à comercialização eletrônica de hortigrangeiros e flores para o CEASA de Campinas4, por exemplo, aponta-se para a possibilidade de superar as ineficiências do sistema atual de comercialização, que é marcado pelo conservadorismo, rudimentarismo e informalismo que geram altos índices de inadimplência entre os agentes, além de perdas físicas. Contudo, para que o e-Comércio avance nas suas aplicações no setor agrícola, há a necessidade de muitas e importantes mudanças, desde as ligadas a embalagens, padronização, classificação de produtos e treinamento de produtores e de agentes de comercialização até a necessária intervenção de agente financeiro no sistema, para garantir as transações, o que ainda resultaria em registro preciso de todos os negócios realizados.
            A introdução e a popularização dos meios eletrônicos de comunicação também podem permitir que os produtores agrícolas tenham de abandonar por menor tempo suas atividades de produção para fazer pagamentos, ou qualquer outro tipo de contato externo. Abre-se também o leque de possibilidades de contatos via Internet com os mais variados tipos de empresas, no sentido de viabilizar a ampliação da venda de seus produtos para um maior número de fontes compradoras ao invés de se ficar atrelado a apenas uma empresa.
            Recentemente, a introdução do conceito de multifuncionalidade da agricultura passou a incluir atividades correlatas como o lazer rural e o ecoturismo que só puderam tornar-se acessível de forma ampla através de contatos estabelecidos com os clientes via Internet.
            Um fato, entretanto, pode ser considerado inexorável: o produtor rural terá de mudar substancialmente seus conceitos e padrões de comercialização.
            Os potenciais benefícios de e-Comércio para a agricultura podem abranger:

    • o surgimento de soluções para um mercado grande mas fragmentado;
    • a superação das limitações geográficas estabelecidas no caso dos mercados físicos;
    • o estímulo ao surgimento de novas formas de logística adaptadas a essa forma de comercio 'on-line';
    • benefícios para os produtores pela existência de um e-Mercado integrado;
    • o melhor e mais rápido acesso às informações de preços de seus produtos e dos insumos que tem de adquirir no mercado;
    • oportunidades para melhorar os serviços das cooperativas já existentes;
    • a possibilidade de os produtores alocarem mais eficientemente seus recursos, como por exemplo reduzir seus estoques de insumos;
    • resultados secundários da capacitação do produtor em operar na Internet, o que lhe possibilitará utilizar outros recursos da informática.2

            As principais possíveis vantagens do e-Comércio na agricultura são: fortalecimento das cooperativas em função da conectividade proporcionada; redução do número de intermediários; expansão dos mercados regionais; e redução dos custos de transações através da automação de processos. As possíveis desvantagens seriam: problemas com a segurança das informações transmitidas pela WEB; resistências em efetuar esse tipo de transação; grande número de navegadores curiosos; exigência de adoção de novas formas de ação por parte dos produtores, o que nem sempre é fácil se conseguir.5
            Pesquisa realizada para as condições da região de Wales, no Reino Unido, indicou os três principais benefícios da utilização do e-Comércio no setor agrícola: surgimento de novas oportunidades de negócios; aumento da base de consumidores ou compradores; e marketing mais eficiente. A mesma pesquisa aponta as maiores barreiras para a adoção do e-Comércio na agricultura: inexistência de pessoal capacitado e com experiência; não compreensão do assunto; e custos elevados. Mas entre estes destacou-se como o maior empecilho a falta de entendimento dos assuntos envolvidos na utilização e exploração das tecnologias do e-Comércio. Indicou também, como fator limitante à sua adoção, a falta de esclarecimento e de educação por parte dos pequenos e médios produtores em relação ao tema.
            A proposta de implantação de sistema de e-Comércio no setor agrícola brasileiro passa pelo prévio estabelecimento de condições mais favoráveis à introdução e divulgação dessas novas técnicas e conhecimentos necessários ao abastecimento nesses moldes.
            Na agricultura brasileira, entretanto, ainda são muito poucas as experiências conhecidas. Ao avaliar os sites de agronegócios existentes, conclui-se que grande número deles encerrou suas atividades até meados de 2000, evidenciando a existência de dificuldades para se manter um sítio específico, por empresas que não estão inseridas no setor agrícola e desconhecem, portanto, suas especificidades6.
            Mesmo assim, verificou-se a existência de vários sites que oferecem consultoria7 e informações na área de estabelecimento de lojas virtuais de e-Comércio8.Há especificamente vários sites que abrem espaço para o contato entre produtores e intermediários e consumidores de produtos agrícolas, mas que ainda não podem ser caracterizados claramente como e-Comércio na agricultura. Os sites mais consolidados, atualmente, estão ligados mais a instituições ou empresas, que já têm tradição no setor dos agronegócios.
            Entre os principais obstáculos à consolidação do e-Comércio na agricultura, pode destacar-se: o número reduzido de sites nacionais voltados ao setor, onde os agricultores possam integrar-se; e o fato de em geral conterem especialmente os produtos ligados às bolsas de comércio internacional de produtos agrícolas, como algodão, arroz, boi gordo, caroço de algodão, farelos (de algodão, amendoim, girassol, linhaça, milho, trigo e soja), fertilizantes, milho, polpa cítrica e soja.
            Nesses casos, a 'Web' permite uma relação comercial através do cadastro de compradores e vendedores que são posteriormente colocados em contato via estes portais9. Essa situação incipiente contrasta com a da União Européia, na qual a sistematização de logística para transporte das produções, como as de flores e hortigranjeiros, conta com sites próprios, permitindo a comercialização até das pequenas quantidades de numerosos produtores.
            Os sites brasileiros ligados ao e-Comércio na agricultura que foram pesquisados, na sua maioria, procuram dar nova dinâmica ao setor. Porém, ainda há apenas um reduzido número de produtores que pode ter acesso rápido e confiável à uma grande gama de informações comerciais e técnicas disponíveis, podendo, entretanto, complementar informações de interesse específico através de sites variados da Internet.
            No caso de e-Comércio voltado ao setor agrícola, os sites de compra de insumos são os que aparecem mais estruturados e já disponíveis para a utilização por maior número de agricultores. São comuns nos sites ou nos portais dirigidos ao setor agrícola a disponibilização de formulários de compra e venda, mas limitados apenas para alguns produtos específicos. Uma consulta, ainda que rápida, aos sites de e-Comércio agrícola permite a obtenção de material que mostra o estado ainda incipiente dos serviços oferecidos.
            Através do Programa Prossiga10, do Ministério da Ciência e Tecnologia, já foram criados alguns portais que incluem o e-Comércio com produtos agrícolas. Há também outras iniciativas de empresas privadas que devem também permitir o aumento gradual dos chamados portais verticais, que visam trabalhar com cadeias produtivas de cada setor, estimulando não só o aumento dos serviços de informações, mas também abrindo espaço para o surgimento de sites ou portais de e-Comércio ligados à agricultura.
            Assim, são apenas os sites ligados a organizações já há tempos consolidadas no setor agrícola ou econômico que conseguem apresentar alguma estrutura que permita vislumbrar a futura ampliação do e-Comércio na agricultura brasileira. Este, ainda que se apresente de forma incipiente, poderá vir a deter sua parcela de participação no agronegócio. A dimensão e a importância que poderá vir a ter e o tempo necessário para tal dependerão da superação das inúmeras barreiras existentes, mas as experiências positivas já acumuladas, em todo o mundo, devem ser consideradas e utilizadas como referencial.

_________________________

1Tendo em vista a natureza introdutória deste ensaio, considerou-se importante esclarecer o conceito de e-Comércio ou comércio 'on line'. De modo sintético, pode ser considerada como a ação de 'comprar e vender bens e serviços e a transferencia de fundos através da comunicação digital'. Entretanto, o e-Comércio inclui também todas as funções inter-empresas e intra-empresas (tais como o marketing, finanças, produção, vendas, e negociações) que possibilitam o comércio e o uso do correio eletrônico, o EDI (Eletronical Data Interchange), a transferência de arquivos, passar fax, realizar videoconferências, e a interação entre computadores a distância. O comércio eletrônico inclui também a compra e venda através da Internet, transferência eletrônica de fundos, o dinheiro digital (por exemplo, o desenvolvimento do biochip Mondex) e todas outras maneiras de realizar negócios através das redes digitais. Na realidade, o surgimento e o desenvolvimento do e-Comércio estão inseridos na forte tendência à desmaterialização dos mercados. Nesta, a virtualização do dinheiro já não é um fato recente. Essa tendência acentuou-se com a introdução dos cartões de crédito, os caixas automáticos e a informatização do sistema financeiro. A abordagem do e-Comércio feita por Wilson (2000)2 considera três categorias nesse campo:

  • Sítios de e-Mercados que são neutros em relação aos vendedores e compradores e que desejam inovar visando atender aos interesses de compradores e vendedores:
  • Sítios de e-Distribuição destinados a servir aos vendedores através da remoção e substituição da atual cadeia de distribuição;
  • Sítios de e-Aquisição destinados a servir aos compradores através da agregação de compradores 'on line' e utilizando o volume a ser adquirido para forçar os preços para baixo.

Destaca também no e-Comércio dois tipos de negócios B2B, ou seja, 'Business to Business', que em português poderíamos denominar NparaN, e o B2C, ou seja, 'Business to Consumer', negócio para consumidor NparaC.

2WILSON, P. An overview of developments and prospects for e-commerce in the agricultural sector. AGRA-EUROPE in: European Commission Agriculture directorate-general, 2000

3 MESQUITA, R. Do plantão INFO. Disponível em: http://info.abril.uol.com.br/ferramentas/print.php . Acessado em 31 de março de 2005.
E-commerce brasileiro faturou R$1,75 bilhões em 2004
Segunda-feira, 14 de fevereiro de 2005 - 19h27

4 JORGE JÚNIOR, A. Comercialização Eletrônica de Hortigrangeiros e Flores. AGROSOFT BRASIL. Disponível em: http://www.agrosoft.org.br/ver.php?pagina=61
Acessado em 22-01-2005.

5 PAGLIS, C. Internet na Agropecuária. Fito 123 – Informática na Agricultura. (sd) Disponível em: http://www.dag.ufla.br/MODAGP/_private/Internet_Agropec.pdf . Acessado em : 10/02/2005

6 RESENDE, J.V. O Futuro dos Sites de Agronegócios. IEA, 01/08/2000. Disponível em: http://www.iea.sp.gov.br/out/verTexto.php?codTexto=278 , acessado em 12 de abril de 2005.

7Ver por exemplo: http://www.webmaggia.com.br/lojavirtual.htm

8 Ver http://www.e-commerce.org.br/artigos_ecommerce.htm;
http://www.e-commerce.org.br/Artigos/assinatura_digital.htm

9Ver sites do Banco do Brasil: http://www.bb.com.br/appbb/portal/emp/ep/srv/cpt/MeiosPagamento.jsp#links; e Megaagro (anexo cadastro de compra/venda no item negócios): http://www.megaagro.com.br

10 Programa criado pelo Ministério de Ciência e Tecnologia e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e 25 secretarias estaduais para fornecer informações sobre ciência e tecnologia

11Artigo registrado no CCTC-IEA sob número HP-26/2005

Data de Publicação: 30/05/2005

Autor(es): Ana Victoria Vieira Martins Monteiro (ana.monteiro@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
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