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Nanotecnologia no agronegócio: explorando o futuro
O
grupo canadense ETC (Erosion, Technology and Concentration) lançou na Internet,
no mês de novembro de 2004, documento que analisa o estado das artes e possíveis
impactos das tecnologias em nanoescala sobre a alimentação e a agricultura.
Embora existam outros documentos nesse sentido, a abrangência, atualidade e
surpreendentes novidades despertam interesse. Nele há indicações sobre a fusão
da nanotecnologia com a biotecnologia e aplicações no setor agrícola. A síntese
que se procurou fazer do documento tenta em parte recuperar o atraso de oito a
dez anos que, conforme se afirma, existe nos meios de comunicação e formadores
de opinião. 1 O documento considera que 'nanotecnologia, a
manipulação da matéria em nível atômico e moléculas (um nanometro [nm] eqüivale
a um bilionésimo do metro), está convergindo rapidamente para a biotecnologia e
tecnologia da informação'.
'Down on the Farm' constitui, segundo os autores, '...uma primeira visão das
aplicações da nanotecnologia na alimentação e agricultura – tecnologias com
potencial de revolucionar e mais adiante consolidar o poder sobre a oferta
global de alimentos'. A demanda global por dispositivos, instrumentos, materiais
e substâncias em nanoescala foi estimada em US$ 7,6 bilhões de dólares em 2003,
com uma previsão de US$ 29 bilhões em 2008 e US$ 1 trilhão no ano de 2011.
As aplicações da nanotecnologia já estão bastante desenvolvidas nos setores de
alta tecnologia, medicina e defesa. No campo da alimentação e da
agricultura, ainda estão no seu início.
'As tecnologias convergentes derivam de bits, átomos, neurônios e genes, as
unidades básicas das tecnologias transformadoras. A unidade operativa da ciência
da informação é o bit; na nanotecnologia é o átomo; na cognitiva é o neurônio; e
a biotecnologia explora o gene', diz o grupo ETC. Considera que estas, juntas,
terão a capacidade de afetar profundamente as economias, o comércio e o sustento
– incluindo a produção agrícola e de alimentos em todos os países.
A aplicação de nanopartículas na agricultura, ao mesmo tempo que traz
preocupações expressas no documento do grupo, também pode trazer benefícios
ainda quase desconhecidos.
Segundo a visão dos setores favoráveis à aplicação mais livre da nanotecnologia,
a agricultura necessita ser mais uniforme, mais automatizada, industrializada e
reduzida a funções simples. Os alimentos serão elaborados com o objetivo de
fornecer, eficientemente, substâncias nutrientes aos corpos das pessoas. Também
buscarão criar sabores artificiais e nutrientes naturais que podem ser
destinados a atender as preferências do paladar.
Uma abordagem mais sofisticada da formulação em produtos de nanoescala implica
no seu encapsulamento, ou seja, envolver o ingrediente ativo em nanoescala com
uma espécie de minúsculo 'envelope' ou 'concha'. Inclui-se nessa tecnologia a
possibilidade de se controlar as condições nas quais o princípio ativo deve ser
liberado diretamente nas plantas.
O documento inclui o importante aspecto da aplicação de pesticidas via
encapsulamento. Muitas grandes empresas do ramo agroquímico, como BASF e BAYER,
já desenvolvem pesquisas sobre a formulação de pesticidas em nanoescala. A
Syngenta, empresa suíça, já comercializa pesticidas formulados como
microemulsões.
Para que se tenha idéia do reduzidíssimo tamanho dessas partículas e do que se
entende por nanoescala, 'um litro do produto ZEON com formulação
microencapsulada contém cerca de 50 trilhões de cápsulas que são liberadas
rapidamente e, como aderem fortemente às folhas, resistem à ação da chuva e
podem ser posteriormente liberadas sob controle'.
Segundo as indústrias, as vantagens da nanoencapsulação de pesticidas são
evidentes, pois permitem que o tamanho reduzido das partículas otimize sua
eficácia; as cápsulas possam ser programadas para liberar seu princíipio ativo
nas mais variadas condições; seja maior o tempo de atividade do princípio ativo;
haja redução de danos às culturas; seja menor a perda de pesticidas por
evaporação; seja menor o efeito danoso sobre as demais espécies; haja redução do
impacto ambiental; o manuseio de pesticidas de elevada concentração seja mais
fácil; não ocorra mais entupimento dos bicos aspersores; se utilize menor
quantidade de produto e mantenha maior tempo da atividade química; se
reduza substancialmente o contato dos trabalhadores com o agroquímico; e reduza
a poluição do ar, solo e águas.
As aplicações das tecnologias de nanoescala na agricultura de precisão vão,
segundo o grupo ETC, '...da poeira inteligente até a plantação inteligente'.
Espalhados no campo, sensores em rede poderão prover dados detalhados sobre as
condições do solo e da cultura e em tempo real. Muitos dos problemas enfrentados
pelos produtores deixarão de existir ou serão extremamente minimizados com a
utilização de equipamentos e/ou produtos de nanoescala. Por exemplo, a presença
de vírus nas plantações ou o nível de nutrientes no solo estarão sendo
continuamente monitorados e corrigidos.
O Departamento de Agricultura dos Estado Unidos (USDA) apelidou de 'tecnologia do pequeno irmão' esse tipo de sistema de produção, que constitui uma de suas principais prioridades de pesquisa. Desenvolve também esforço de pesquisa para promover o que chama de 'smart field system', ou seja, o 'campo inteligente'3. Esse sistema, '... automaticamente, detecta, localiza, informa e aplica água, fertilizantes e pesticidas - indo além do monitoramento para a aplicação de medidas corretoras'. Nesse campo, a INTEL4 já está testando redes de sensores para a
agricultura em uma vinha (plantação de uvas) automatizada.
Mais impressionante é a idéia de se ter milhares de minúsculos sensores
espalhados pelas plantações como se fossem minúsculos olhos, ouvidos e narizes.
Fica evidente as aplicações militares dessa tecnologia. Analistas do mercado
estimam que, por volta de 2010, o mercado desses produtos estará em torno de US$
7 bilhões. A US National Science Foundation espera que, em torno do ano 2010, a
nanotecnologia seja responsável por cerca de metade das vendas de produtos
farmacêuticos e que, na medicina veterinária, possa ir além disso, dadas as suas
características.
Segundo o grupo ETC, os nanosensores poderão beneficiar as fazendas de larga escala de produção e com elevada utilização de tecnologia que já utilizam a agricultura de precisão. Os atuais pequenos e médios produtores, provavelmente, ficarão fora desses
benefícios tecnológicos. Os sistemas de previsão de safras poderão ser
enormemente aperfeiçoados com a utilização generalizada de sensores. Esta maior
precisão, entretanto, poderá ter efeitos danosos sobre os preços dos produtos
agrícolas.
Outro importante aspecto relacionado com os impactos da nanotecnologia na agricultura, segundo o grupo ETC, está num relatório da LUX Research, INC. de 20045, que destacou o potencial da
nanotecnologia para causar dramáticas mudanças nas cadeias de fornecimento de
mercadorias e em seus valores. No setor agrícola, estão, especialmente,
vulneráveis a esses impactos produtos como algodão, juta, cacau, café, dendê,
caju, baunilha e chá. Empresas nanoindustriais poderão passar a elaborar
produtos 'agrícolas' apenas juntando materiais e dispositivos, só que em nível
atômico, da mesma maneira pela qual conseguem produzir cerveja, queijo ou vinho.
A empresa têxtil Nano-tex elaborou um tecido impermeável, com as qualidades
de conforto do algodão natural e com a mesma textura, porém mais resistente. As
nanofibras podem substituir as de algodão natural. A borracha natural também
será seriamente afetada. A Cabot, uma das líderes mundiais na produção de pneus,
já testou com sucesso a introdução de partículas nano nos pneus, reduzindo a
abrasão em 50% e dobrando a sua vida útil.
Há, entretanto, o lado positivo para a agricultura. Uma das vantagens é o
desenvolvimento de técnicas que permitam a produção de nanofibras a partir do
etanol derivado do milho. A Universidade de Texas-El Paso, Estados Unidos,
confirma também a capacidade das plantas de absorver nanopartículas que podem
ser colhidas industrialmente. Essa técnica poderia ser útil para a reabsorção de
ouro em terras ricas desse metal e nas proximidades de minas abandonadas.
Pesquisadores atualmente trabalham na extração de outros metais do solo.
Há também nanopartículas que podem ser aplicadas como aglutinante de solo, de
modo a evitar a erosão, e na limpeza do solo via extração de metais pesados e
PCBs (substâncias denominadas cientificamente Bifenilas Policloradas ou
'ascaréis', proibidas desde 1981 pela legislação brasileira pois não são
biodegradáveis e são bioacumulativas nos tecidos vegetais e animais) .
A pecuária, com o desenvolvimento da nanotecnologia na medicina humana, pode ser
utilizada como campo de testes. Testes com 'chips' que podem ser utilizados
para o diagnóstico de doenças em animais, para o rastreamento da produção
animal. E também há a possibilidade de sua utilização no melhoramento das
raças.
A vantagem da utilização das nanocápsulas na veterinária é que os medicamentos
podem ser administrados em locais, tempo e doses precisas sem prejudicar os
tecidos sadios próximos. Há empresas trabalhando no sentido de desenvolver
formas para ativar externamente essas cápsulas e liberar os medicamentos através
do ultra-som ou impulsos magnéticos.
O documento relata o surgimento da 'nanofood', ou nanocomida, e da existência de
inúmeros produtos comerciais que já contêm aditivos invisíveis, porém de
nanoescala. Centenas de empresas vêm desenvolvendo pesquisas visando ao uso da
nanotecnologia na elaboração, no processamento, embalagem e distribuição.
Jozef Kokini, diretor do Center for Advanced Food Technology da Universidade
Rutgers em New Jersey, Estados Unidos, afirma que ' toda grande empresa de
alimentos tem um programa de nanotecnologia ou está tentando desenvolver um'.
Relatório de 2004 da Helmut Kaiser Consultoria considera que 'o mercado de
nanoalimentos passará de US$ 2,6 bilhões, atualmente, para US$ 7 bilhões em 2006
e para US$ 20,4 bilhões em 2010'. Observa também 'que são mais de 200 empresas
engajadas em pesquisas sobre nanoalimentos no mundo, e entre elas as maiores'.
Outra vertente da utilização da nanotecnologia na produção de alimentos é a
fabricação de alimento molecular, ou seja, a produção sem solo, sementes,
fazendas e fazendeiros. Segundo Carmen I. Moraru, da Universidade de
Cornell, Estados Unidos, 'nanomáquinas poderiam criar quantidades ilimitadas de
alimentos através da síntese no nível atômico que poderia erradicar a fome'. O
Dr. Marvin J. Rudolph, diretor da Dupont Food Industry Solutions, afirmou que
'produzir alimentos através da fabricação molecular é a mais ambiciosa meta da
nanotecnologia - e é provável que se materialize a qualquer momento'.
O mercado de embalagens, que utiliza a nanotecnologia nos Estados Unidos, gira
em torno de US$ 38 bilhões e deve ultrapassar US$ 54 bilhões em 2008. Exemplos
das aplicações da nanotecnologia em embalagens são: 'a Bayer que produz um filme
plástico transparente (denominado Durethan) contendo nanopartículas de argila -
as nanopartículas estão dispersas em todo o plástico e são capazes de bloquear o
oxigênio, dióxido de carbono e umidade para que não atinja a carne fresca ou
outros alimentos'; a empresa Kraft e a Universidade de Rutgers que estão
trabalhando em embalagens impregnadas de sensores que poderão detectar patógenos
nos alimentos e provocar um alteração na cor da embalagem de modo a alertar o
consumidor; os Países Baixos que procuram desenvolver embalagens que poderão
liberar um conservante se o alimento começar a se deteriorar.
Um avanço ainda maior pode ocorrer no sistema de etiquetagem e monitoramento de
produtos que utilizama identificação através da Radio Freqüência (RFid). O
documento do grupo ETC informa que esse sistema já existe e que '... a maior
vantagem e novidade desse sistema é que a etiqueta é suficientemente
pequena de modo que pode ser inserida no produto em si – e não apenas na
embalagem; ela pode conter muito mais informações, pode ser escaneada a
distância (e através de caixas ou outras embalagens) e no caixa muitas etiquetas
podem ser registradas ao mesmo tempo. A etiqueta tem o tamanho de um
'chip' equivalente ao de um grão de pó'. O documento refere-se à existência
de uma questão ética envolvida, pois a transmissão de informação vai além do
caixa do supermercado, o que implica na necessidade de posteriormente se
desativar o 'chip'.
Quanto aos nanoalimentos propriamente ditos, informa o documento que 'em 1999 a
Kraft Foods estabeleceu o primeiro laboratório nanotecnológico de alimentos da
indústria'. O grupo ETC considera que 'as tecnologias de nanoesacala têm um
potencial que levará a engenharia de alimentos a mudar dramaticamente a forma
como o alimento é produzido, processado, embalado, transportado e consumido'.
No campo dos aditivos alimentares, o documento destaca a preocupação da
indústria de alimentos em produzir alimentos 'funcionais', o que significa que
sejam mais nutritivos ou tenham alguma outra função. Nesse sentido, coloca-se
aqui também a utilização das nanocápsulas que podem, no futuro, ser utilizadas
para introduzir algum ingrediente que cumpra determinadas funções e possam ser
ativadas através de estímulos adequados.
O agronegócio, tão importante em nosso país embora tenha suas bases técnicas
fortemente fundadas no sistema de produção convencional originário da revolução
verde, bem como esteja sofrendo influências dos avanços na biotecnologia, não
pode ficar alheio ao desenvolvimento e aplicações já existentes e, para um
futuro próximo, das tecnologias em nanoescala.
2 Ver a integra do documento 'Down on the farm'. Disponível em: http://www.etcgroup.org/documents/NR_DownonFarm_final.pdf
3 I News Bureau Disponível em: 'Remote-sensing lab aims to foster growth of precision farming' http://www.news.uiuc.edu/scitips/01/05farmlab.html
4 Michael Kanellos 'INTEL produces chips for next generation' November24, 2003. Disponível em: http://news.zdnet.com/2100-9584_22-5111327.html
5 Lux Research, Inc Nanotech report 2004. Em : http://www.etcgroup.org/documents/NR_DownonFarm_final.pdf
Data de Publicação: 15/12/2004
Autor(es): Richard Domingues Dulley Consulte outros textos deste autor