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Reflexões sobre as Exportações de Carnes Agora e Pós-Covid-19
O Brasil tem grandes expectativas de se tornar cada
vez mais um player importante no
mercado internacional, principalmente nas exportações de proteína animal e
grãos, colocando-se como parceiro essencial para atender às demandas por
alimentos, sobretudo para a China. Esta é a expectativa no documento divulgado no dia
29 de junho pela Federação da Indústria do Estado de São Paulo (FIESP), no qual
estima o crescimento da participação do Brasil nas exportações mundiais. Para
as proteínas animais, o impulso maior deverá ser para a carne de frango, que
deve crescer de 36% para 44%, e para a carne suína, que pode alcançar 10% de
ampliação. Para a carne bovina, a expectativa é de manutenção em 18%,
frustrando as perspectivas do setor de crescimento das exportações,
principalmente para o mercado chinês, em função da peste suína africana que
dizimou seu rebanho de suínos e trouxe nova demanda do país por carne de boi1.
Nos últimos dias, fatos deixaram o setor de carnes
preocupado, em função de notícias veiculadas sobre vetos às carnes de
frigoríficos dos Estados Unidos e Europa. A questão sanitária de animais e de pessoas, após o
surgimento do covid-19, é cada vez mais fundamental na agenda de todos os
países, haja vista a postura que a China2 passou a tomar em relação
às compras de carnes nos últimos dias, com o retorno de casos dessa doença em
seu território. No Brasil, primeiramente ocorreu a interdição do
frigorífico da Marfrig (2ª maior indústria de carne do país) em Mineiros (GO),
por determinação do Ministério Público, fato que foi contornado após a empresa apresentar
o protocolo de segurança que adotou e testar os funcionários3. Em Rondonópolis (MT), o frigorífico Agra resolveu
por conta própria suspender suas atividades, após detectar 92 funcionários
contaminados com o coronavírus. Isso bastou para a China suspender as
importações da empresa. O frigorífico logo tomou as providências necessárias e
voltou a funcionar normalmente, com a expectativa de que a China suspendesse o
bloqueio4. Em 29 de junho, o Ministério de Agricultura,
Pecuária e Abastecimento (MAPA) informou que mais três frigoríficos brasileiros
foram desabilitados, sem que a Administração Geral das Aduanas da China (GACC,
em inglês) apresentasse justificativa. Segundo informações, a China atualizou a
lista de frigoríficos autorizados a exportar para o país, oficializando a
suspensão temporária de mais dois abatedouros brasileiros: a unidade da
Marfrig, em Várzea Grande (MT), e a Minuano, em Lajeado (RS), que passaram a
estar temporariamente impedidas de exportar seus produtos para o país asiático5. Com isso, foram desabilitadas quatro unidades
frigoríficas: as unidades de Várzea Grande e Minuano, somadas à Agra e à
unidade de abate de frango da JBS, em Passo Fundo (RS), as duas últimas já
suspensas na semana anterior6. Apesar de o país chinês não ter esclarecido os
motivos, o que se sabe é que os frigoríficos suspensos têm casos de covid-19
entre seus funcionários. O fato dos principais frigoríficos brasileiros (JBS,
Marfrig e Minerva e a BRF, maior exportadora de frango no mundo e fornecedora
também de carne suína) terem assinado declarações que foram requisitadas pelas
autoridades chinesas, confirmando que suas exportações estão livres do
coronavírus, pode ser entendido como fator negativo na interpretação das
autoridades chinesas, que estão extremamente receosas em relação à transmissão
do covid-19 pelas carnes7. Para piorar, na sequência, os banqueiros
brasileiros, colocaram em evento do setor o que foi nominado de “perigo
ambiental” no país, reconhecendo, entre outras coisas, que temos feito pouco
pela sustentabilidade. Apontou-se a preocupação com a repercussão que vem tendo
o tema entre investidores estrangeiros, que advertiram que a questão ambiental
pode ser motivo para deixarem de investir no Brasil8. Merecem destaque, mais três ações: 1) representantes
de empresas de investimento e pensão enviaram carta a embaixadas brasileiras na
Europa, Japão e Estados Unidos com pedido de reunião para tratar do
desmatamento na Amazônia; 2) carta de deputados do Parlamento Europeu enviada
ao presidente do Congresso Nacional brasileiro, abordam a preocupação com
medidas tomadas no país que podem pôr em risco o meio ambiente; 3) cinco
entidades voltadas à preservação ambiental pediram que não seja feita a
retificação do Acordo entre União Europeia e Mercosul, sem que antes haja
um debate sobre o impacto ambiental,
social e econômico do acordo9. Todas tocaram no tema do aumento do
desmatamento e o descompromisso do governo brasileiro com a questão ambiental10. Tais questões mostraram um impacto no discurso do governo
brasileiro, que adotou postura mais suave em relação à questão ambiental, já
que houve a percepção de que os impactos sobre a economia brasileira, frente às
reservas colocadas sobre a questão ambiental, seriam drásticos. Entretanto, pressões sobre as questões ambientais
não cessaram e notícias recentes mostram que grandes frigoríficos não têm
controlado a origem das carnes, muitas vindo de áreas de desmatamento
amazônico. Isso é delicado, pois vários frigoríficos, entre eles JBS e Marfrig,
assinaram em 2009 acordo com o Ministério Público Federal que “veda o abate de
bois criados em terras indígenas, reservas ambientais e fazendas abertas sem
licença ambiental ou flagradas com trabalho escravo”11. Tal fato é
injustificável, já que há tecnologia para fazer este controle. As suspensões de frigoríficos continuaram ocorrendo,
estendendo-se também para processadoras de suínos. Tudo que foi levantado é um sinal de alerta para o
setor agrícola. Primeiramente, há necessidade de uma reflexão em um ponto que
vem sendo repetido por parte da academia, de lideranças do agro e de analistas
de mercado: a questão sanitária na produção dos alimentos cada vez mais ganhará
destaque na pauta do comércio internacional e interno. Não só os governos farão
exigências cada vez mais rígidas, criando inclusive barreiras sanitárias, como
também a própria população será mais restritiva na escolha de alimentos,
receosa de consumir produtos que possam ser transmissores de doenças. Respostas do MAPA a questionamentos sobre atitudes
dos países talvez deixem de ser eficientes, principalmente porque os casos de
coronavírus têm disparado no Brasil e o combate à doença tem demonstrado
displicência por parte da maioria dos estados, sem uma diretriz federal de
combate à pandemia. A proposta dos exportadores de carne de frango e
suína ao MAPA de testar as carnes em todos os embarques para a China para
provar que a carne está saudável e segura para o consumo12 é ação
positiva e pode gerar bons resultados no comércio, não só com os chineses, como
também com outros países. A questão ambiental já era posta pela UE e as
últimas colocações de Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente, divulgadas
recentemente, se revelaram ainda mais preocupantes para os países europeus, que
viram em sua sugestão de “passar a boiada”, aproveitando o foco do momento na
questão da pandemia, como ocasião oportuna para tomar uma série de medidas na
sua pasta, uma ameaça à política ambiental que foi praticada pelo Brasil até
tempos atrás. Cabe ainda a reflexão do professor César Augusto de
Aguiar, Consultor Sênior de Agências Multilaterais E Cônsul da República de
Chipre em São Paulo, em webinar da FIA: “Quem vai financiar o atendimento das
populações famintas do mundo?”13. Segundo ele, o comércio internacional vai ter que
mudar devido ao covid-19, pois 60 milhões de pessoas devem ir para a linha
abaixo da pobreza e os países não terão condições de comprar alimentos para
todos sem que haja ajuda de organismos internacionais, pois para atender a
tantos deverão ser criadas novas fontes de financiamento. Ficará mais pobre 50%
da população e o cenário será de 135 milhões de habitantes em crise alimentar14. Este é um problema de dimensão global. A pandemia
aumentou o empobrecimento, com elevação das taxas de desemprego e consequente
redução de acesso a bens. Mesmo que a escassa renda seja voltada para a
alimentação, não será suficiente para conter a fome. No Brasil, com a redução de políticas sociais e
desemprego, a situação dos indivíduos, com relação ao acesso aos alimentos, já
se tornara uma questão preocupante. Com a covid-19, segundo previsões do
economista Daniel Balaban, chefe do escritório brasileiro do Programa Mundial de Alimentos da
Organização das Nações Unidas, não só o Brasil pode ver a volta da extrema pobreza, como também haverá cerca
de 130 milhões de pessoas no mundo nessa situação, além ter a possibilidade de
dobrar o número de pessoas com fome crônica15. Isso vai ao encontro das
palavras do professor Aguiar: com a crise econômica mundial quem serão os
produtores de alimentos e quem será a fonte pagadora destes? Ou seja, não será
fácil vender alimentos, mesmo sendo um importante país produtor agrícola, por
falta de recursos e uma extensão absurda de fome que deverá ocorrer e que não
será resolvida com soja, milho e proteínas caras, o grande foco de nosso
mercado. Todos esses fatores podem fazer com que as previsões
divulgadas pela FIESP não se concretizem. É importante que o setor
agroindustrial esteja atento e tome ações certas e necessárias sobre a questão
sanitária animal e de seus funcionários, levando isso a sério. Também deve
assumir posições firmes em relação ao desmatamento da região amazônica, pelo
qual ele tem sido frequentemente responsabilizado, e passe a agir na
preservação da floresta, pressionando o governo federal a tomar medidas
urgentes com ações efetivas que combatam incêndios e evitem a presença de
madeireiros na região, garantindo a proteção das comunidades indígenas e
tradicionais, que também são motivo de preocupação de vários parceiros
comerciais. Se isso não ocorrer, não só a agropecuária e a
agroindústria brasileira vão perder, deixando de exportar um volume
considerável de produtos, como o país todo. Além do impacto na balança
comercial, deixaremos de ter investimentos, dificultando ainda mais a
recuperação econômica do Brasil e levando grande parte da população, já
extremamente vulnerável, a condições mais complicadas, arrastando-as a um
estado de miserabilidade imenso. A pandemia mostrou que as ações humanas têm sido
danosas ao planeta e, portanto, ao ser humano. Sua dimensão tem relação com
ações irresponsáveis dos governantes com conivência de parte da sociedade, o
que contribui para desencadear problemas que devem crescer mais após o covid-19.
Outras questões surgirão se governos e lideranças mundiais não tomarem decisões
responsáveis que mitiguem os efeitos das ações globais sobre a humanidade e
auxiliem as economias a se recuperarem. 1Outlook FIESP -
Projeções para o agronegócio brasileiro 2029. Federação das Indústrias do Estado de São Paulo-FIESP. São Paulo:
FIESP, 2020. 84 p. Disponível em: https://apps.fiesp.com.br/flipbook/files/ 2DYNIEWICZ. L.; SCHELLER. F. China veta carne de unidade
dos EUA. O Estado de São Paulo, São
Paulo, Caderno de Economia, p. B6, 23 jun. 2020. Disponível em: https://economia.uol.com.br/noticias/estadao-conteudo/2020/06/23/china-veta-carne-de-unidade-dos-eua.htm.
Acesso em: 2 jun. 2020. 3MENDES, L. H. Programa de testes de covid-19 em
funcionários evita interdição de frigorífico da Marfrig em Goiás. Valor Investe, São Paulo, 23 jun. 2020.
Disponível em: https://valorinveste.globo.com/ 4MENDES, L. H. Frigorífico da Marfrig no Mato Grosso é
suspenso de exportar à China. Valor
Investe, São Paulo, 29 jun. 2020. Disponível em:
https://valorinveste.globo.com/mercados/renda-variavel/empresas/ 5CHINA suspende importações de mais 3 frigoríficos do
Brasil, diz ministério. Notícias
Agrícolas, Campinas, 29 jun.
2020. Disponível em: https://www.noticiasagricolas.com.br/noticias/boi/262732-china-suspende-importacoes-de-mais-3-frigorificos-do-brasil-diz-ministerio.html#.XvtH-flKh0x.
Acesso em 30 jun. 2020. 6Op. cit. nota 5. 8BRONZATI, A;
ÍTALO, A. Banqueiros falam em ‘perigo ambiental’. O Estado de São Paulo, São
Paulo, Caderno de Economia, 24 jun.
2020. Disponível em: https://economia.uol.com.br/noticias/estadao-conteudo/ 9PINTO,
A. DE S. P.; CAGLIARI, A. Investidores e deputados da UE elevam pressão contra
desmatamento no Brasil. Folha de São
Paulo, São Paulo, Mercado, p. A14, 24 jun. 2020. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2020/06/investidores-e-deputados-da-ue-elevam-pressao-contra-desmatamento-no-brasil.shtml. Acesso em: 9 jul. 2020. 10Op.
cit. nota 9. 11CAMPOS, A.; BARROS, C. J. A “lavagem de bois” que desmata a
Amazônia. Outras Palavras, São Paulo,
30 jun. 2020. Disponível em:
https://outraspalavras.net/outrasmidias/a-lavagem-de-bois-que-desmata-a-amaz 13AGUIAR,
C. A. A política internacional x
comércio exterior x globalização x desigualdade global. São Paulo, 23 jun.
2020. (Webinar promovido pela FIA). Disponível em: https://fia.com.br/palestras/a-politica-internacional-x-comercio-exterior-x-globalizacao-x-desigualdade-global/. Acesso em: 9 jul. 2020. 14Op. cit. nota 13. 15BERALDO, P. "Brasil
está voltando ao Mapa da Fome", diz membro da ONU. Terra, São Paulo, 12 Maio 2020. Disponível em:
https://www.terra.com.br/noticias/mundo/brasil-esta-voltando-ao-mapa-da-fome-diz-membro-da-onu,b3675cf687fbe28d3525eaff3b295a1cae29i9n5.html. Acesso em: 9 jul.
2020. Palavras-chave: carnes, covid-19,
frigoríficos, exportações, questão sanitária e ambiental.
assets/basic-html/page-1.html. Acesso em: 9 jul. 2020.
mercados/renda-variavel/empresas/noticia/2020/06/23/programa-de-testes-de-covid-19-em-funcionarios-evita-interdicao-de-frigorifico-da-marfrig-em-goias.ghtml.
Acesso em 29 jun. 2020.
noticia/2020/06/29/frigorifico-da-marfrig-no-mato-grosso-e-suspenso-de-exportar-a-china.ghtml.
Acesso em 29 jun. 2020.7O médico veterinário e virologista
da USP, Paulo Eduardo Brandão, em webinar promovido pela Associação Brasileira
de Carne Suína (ABCS), informou que as carnes não são agentes de transmissão do
coronavírus porque o vírus apenas se desenvolve em células vivas. 333
Latinoamérica. Webinar ABCS A
TRAJETÓRIA DOS CORONAVÍRUS E O IMPACTO CAUSADO NO AGRONEGÓCIO. 2 jul. 2020. Disponível em: https://www.
youtube.com/watch?v=p8NdPgM8Qxw&feature=emb_title. Acesso em: jul. 2020
2020/06/24/banqueiros-falam-em-perigo-ambiental.htm. Acesso em 24
jun. 2020.
onia/. Acesso em: jul. 2020.12Exportadores
brasileiros propõem testar carne para acalmar China. Suinocultura Industrial, Itu, 8 Jul.
2020. Disponível em: https://www.suinoculturaindustrial.com.br/imprensa/exportadores-brasileiros-propo
em-testar-carne-para-acalmar-china/20200708-101917-G464. Acesso em 9 Jun. 2020.
Data de Publicação: 20/07/2020
Autor(es): Rosana de Oliveira Pithan e Silva (rosana.pithan@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor