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RenovaBio: prós e contras
Dentre as diversas contribuições
apresentadas pelo Brasil para manter o aquecimento global em até 2º C está o
compromisso, assumido no Acordo de Paris, de que as energias renováveis
componham 45% da matriz energética brasileira em 20301. Em meio às várias estratégias para
atingir tal fim, destacam-se: aumentar a produção de etanol de primeira geração
(para cerca de 50 bilhões de litros), o etanol de segunda geração (E2G) para
2,5 bilhões de litros (a partir de 2023) e triplicar a geração de eletricidade
a partir da biomassa, com destaque para a cana-de-açúcar2. Para que essa estratégia tenha sucesso, os
biocombustíveis devem ser competitivos frente aos seus substitutos fósseis, o
que é viabilizado por meio de investimentos financeiros em inovações
tecnológicas de produto ou de processo. Para se ter ideia, a Empresa de
Pesquisas Energéticas (EPE)3 ressalta que as melhorias da
produtividade e da qualidade da cana-de-açúcar têm grande impacto no custo de
produção do etanol, uma vez que a etapa agrícola representa aproximadamente 65%
do total. Outro ponto relevante, segundo a EPE4, é o incremento da
eficiência industrial, que vai da otimização da fermentação até a redução do
consumo de vapor, possibilitando excedentes para a geração de energia elétrica.
Além desses pontos voltados à produção, que englobam o setor agrícola e a
“indústria de transformação”, ou seja, a usina, são necessárias, também,
melhorias no segmento industrial que permeia o setor de transporte, tais como:
maior eficiência dos veículos flex no
uso do etanol, o desenvolvimento de motores híbridos flex ou dedicados a álcool e novas tecnologias, como a célula
combustível a etanol. É nesse contexto que emerge o RenovaBio, programa
lançado pelo Ministério de Minas e Energia (MME), direcionado para a
descarbonização do setor de transportes que, em 2016, respondeu por 17,5% das
emissões brasileiras de gases de efeito estufa5. Os principais
objetivos do RenovaBio são: valorizar os biocombustíveis nacionais, prever
segurança energética, garantir previsibilidade de investimentos, incentivar a
inovação tecnológica e contribuir para a melhoria financeira do segmento. Para cumprir os três primeiros objetivos acima
citados, em meados de novembro de 2017, o RenovaBio foi aprovado pela Câmara
dos Deputados, enquanto Projeto de Lei, aguardando a sanção do Poder Executivo para
ser instituído como Política Nacional dos Biocombustíveis. As políticas públicas aplicadas tanto para o etanol
(Pró-Álcool), como para o biodie- Assim, o RenovaBio, ao pré-fixar a
demanda por biocombustível, assegura aos usineiros, o escoamento de suas
respectivas produções. O conhecimento antecipado da demanda é um indicativo de
quanto deve ser produzido e, portanto, um parâmetro importante de planejamento
das usinas, pois, dentre outras razões, indica a necessidade (ou não) de
ampliação dos investimentos e as estimativas de retorno dos mesmos, bem como a
possibilidade (ou não) da formação de parcerias, etc. O
leitor deve estar se perguntando se o conhecimento antecipado da demanda pode
ser considerado um atrativo suficiente para aumentar a oferta de
biocombustíveis no Brasil, pois os investimentos em modernização das usinas
existentes e/ou na construção de novas usinas são altos e podem não oferecer
garantia de retorno ao produtor de biocombustíveis... É nesse ponto que o
RenovaBio inova: combinando um instrumento da política de gestão ambiental
(metas de descarbonização) e um instrumento de mercado – os créditos de carbono
evitado (CBIO) – com
fins de incentivar a inovação tecnológica nas unidades produtoras de
biocombustíveis e contribuir para a melhoria financeira dos produtores. O CBio é um
título financeiro emitido pelo produtor do biocombustível de acordo com o volume
vendido aos distribuidores e que será comercializado na Bolsa de Valores,
gerando renda adicional à receita que o usineiro teria exclusivamente com a
venda do seu biocombustível7. Dessa forma, segundo foi possível apreender-se da EPE8,
o mecanismo funciona da seguinte forma: Inicialmente, as usinas e importadoras (emissores
primários) elaboram a análise do ciclo de vida (ACV) do biocombustível, a qual
inclui as etapas a montante do processo agrícola (insumos e infraestrutura), a
produção agrícola propriamente dita e do processo agroindustrial. A EPE9 propôs que o modelo de mensuração
do Brasil adote as mesmas premissas que a Diretiva Europeia, ou seja, que detritos e resíduos de culturas agrícolas, como
palha, bagaço, peles, caroço e cascas de nozes, e os resíduos de processamento,
incluindo glicerina não refinada, tenham um valor zero de emissões de gases de
efeito de estufa produzidos ao longo do ciclo de vida até à colheita de tais
materiais. Apesar da proposta ser positiva, pois exclui do
inventário a fase agrícola minimizando os custos de elaboração da ACV para o
etanol e outros biocombustíveis, os óleos e gorduras – insumos básicos para a
produção dos ésteres de ácidos graxos - não se inserem nessa “listagem”, o que
pode implicar custos mais altos para os usineiros de biodiesel do que para os
demais produtores de biocombustíveis. Elaborada a ACV, deve-se obter, junto a uma
certificadora, a Certificação da
produção de biocombustíveis10, a qual consiste em atribuir
“notas” aos produtores de biocombustíveis proporcionais ao resultado da análise
do ciclo de vida de seu respectivo sistema de produção. O usineiro que produzir
maior quantidade de biocombustível com menor emissão de CO2 receberá
nota maior. A nota da certificação é dada pela diferença entre a
intensidade de carbono do combustível fóssil e a auferida pela análise do ciclo
de vida da usina correspondente à produção do biocombustível substituto (Figura
1). Do lado da demanda, ou seja, das distribuidoras,
elas receberão a cada ano cotas individuais referentes ao desdobramento das
metas nacionais de descarbonização, que variarão de acordo com a participação
que cada uma tem no mercado de combustíveis. A partir do mandato de redução de emissões, o
distribuidor de combustíveis terá a obrigação de comprar na Bolsa de Valores a
quantidade de CBio correspondente ao deficit
para que cumpra sua cota (supostamente, 1 CBio equivale a 1 t CO2eq/MJ).
Ou seja, o CBio onera a operação da distribuidora que, por sua vez, alocará
este custo em seu portfólio de
produtos negociados, de acordo com sua estratégia comercial e com o perfil de
seu mercado. A EPE11 atenta que, neste caso, o distribuidor não opera com margens
negativas para colocar o produto biocombustível no mercado. No agregado, os
distribuidores irão onerar o(s) preço(s) do(s) combustível(eis) fóssil(eis) na
exata paridade na bomba para o consumidor, na proporção necessária para
viabilizar o consumo do volume de biocombustível adquirido. Não há qualquer
transmissão automática de preços do CBIO a um produto específico,
principalmente porque o distribuidor poderá adquirir os títulos de
descarbonização de forma descasada com a aquisição do biocombustível. Os
distribuidores operarão com preços médios de CBIO ao longo do tempo em sua
operação e terão a faculdade de atuar neste mercado comprando e vendendo CBios
livremente. Uma dada distribuidora de combustíveis com obrigações de compra
desses certificados, para cumprimento de seu mandato, operará para reduzir seu
preço médio de aquisição de CBios no tempo. O
Projeto de Lei n. 9.086/2017 não deixa claro se haverá um mecanismo de inclusão
social – a exemplo dos leilões de biodiesel – que facilite a entrada dos novos
agentes da cadeia de biocombustíveis advindos com a inserção do mercado de
bioquerosene e biogás/biometano12 ou mesmo, que preserve as pequenas
destilarias autônomas (as quais talvez não disponham de recursos para elaborar
a análise de ciclo de vida de seus processos agrícola e agroindustrial.
Também, o PL não explicita como e se
a renda adicional obtida com a venda dos CBios será revertida aos segmentos a
montante da produção de biocombustíveis como exemplo, aos fornecedores de cana independentes que, apesar de menor nível
tecnológico, respondem por cerca de 30% da cana processada no país, gerando um
valor bruto de produção de R$20 bilhões por ano. E, diferentemente do que se
imagina, mais de 54 mil produtores praticam suas atividades em áreas abaixo de
4 módulos fiscais e têm a cana como única fonte de renda, segundo a Federação
dos Plantadores de Cana do Brasil13. Ainda há muitos instrumentos legais a serem implementados na
cadeia dos diversos biocombustíveis que figuram na matriz energética
brasileira, antes que a Lei Nacional dos Biocombustíveis seja sancionada, e a
dúvida de que se haverá emendas no projeto que elevem o CBio, de um instrumento
financeiro à uma ferramenta que contemple maior equidade social e regional, a
exemplo do que a Agência Nacional de Petróleo, Biocombustíveis e Gás Natural
fez com o Selo Combustível Social. 1 Lembrando que enquanto o mundo apresenta apenas 13,5% de fontes renováveis, no Brasil este valor está em torno de 40%. 2 EMPRESA DE PESQUISAS ENERGÉTICAS - EPE. RenovaBio: Biocombustíveis 2030. Nota
técnica papel dos biocombustíveis na matriz. Rio de Janeiro: EPE; Brasília:
MME, fev./2017. 18 p. Disponível em: <http:// 3 Op cit. nota 2. 4 Op cit. nota 2. 5 SISTEMA DE ESTIMATIVAS DE
EMISSÕES DE GASES DE EFEITO ESTUFA -SEEG.
Banco de Dados. Brasil: SEEG. Disponível
em: <http://seeg.eco.br/>. Acesso em: 4 dez. 2017. 6 Tecnicamente o biodiesel é
um éster de ácido graxo. Após misturado ao diesel, o biocombustível chega aos
postos de gasolina com o nome diesel BX, onde B indica a presença de biodiesel
e “X”, o percentual desse éster que foi misturado ao diesel mineral. 7 Brasil. Projeto de lei
9086/2017, 14 de novembro de 2017. Câmara dos Deputados. Dispõe sobre a Política Nacional de Biocombustíveis -
RenovaBio e dá outras providências. (Aguardando
Apreciação pelo Senado Federal). Disponível
em: <www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2162285>. Acesso em:
8 dez. 2017. 8 EMPRESA DE PESQUISAS ENERGÉTICAS - EPE. RenovaBio: nota explicativa sobre a
proposta de criação da política nacional de biocombustíveis. Rio de Janeiro:
EPE; Brasília: MME, 2017. 138 p. Disponível em:
<http://www.mme.gov.br/documents/10584/32426543/RenovaBio+-+Nota+Explicativa/52ef58fa-ae4d-43d0-b5a4-c658e3660825;jsessionid=9B0CC2FAD5CF6053296CC7057FF5421D.srv155>.
Acesso em: dez. 2017. 9 Op cit. nota 8. 10 Op cit. nota 8. 11 Op cit. nota 8. 12 O biogás e
o biometano apresentam duas vantagens em relação aos demais combustíveis
veiculares: a de poderem ser convertidos em eletricidade e o de mitigarem,
também, a poluição hídrica. Com produção descentralizada, ainda não têm um
arcabouço legal (definição de parâmetros para sua utilização) e logístico, que
possibilite desenvolver as redes de coleta e distribuição. 13Declaração do Sr. José Nora Santos, Secretário
Adjunto da Federação dos Plantadores de Cana do Brasil, em carta endereçada ao
Ministro de Minas e Energia, dia 26 de dezembro de 2016. Disponível em:
<http://mme.gov.br/web/guest/apresentacoes?p_p_id=20&p_p_lifecycle=0&p_p_state=normal&p_p_mode=
sel6 (Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel – PNPB) são
exemplos consolidados da importância que exerceram no fomento à produção de
etanol e na implantação de mercado para o biodiesel, os quais se iniciaram como
“aditivos verdes” em matriz energética, e hoje constam na pauta da balança
comercial brasileira.
mme.gov.br/documents/10584/7948692/EPE_NT1_PAPEL+DOS+BIOCOMBUST%C3%8DVEIS.pdf/779d7ffd-4169-4e10-a1a1-9a93184f6209;jsessionid=F58E3E968C46B219076915A6CB6953F0.srv154>.
Acesso em: dez. 2017.
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2115473649%26_3_modified%3D&_20_fileEntryId=32440585>. Acesso em: dez.
2017.
Data de Publicação: 14/12/2017
Autor(es):
Silene Maria de Freitas (silene.freitas@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
Rejane Cecília Ramos Consulte outros textos deste autor