Artigos
Índice de Segurança Alimentar do Município de São Paulo
A
partir de maio de 2011, o Instituto de Economia Agrícola (IEA) passa a divulgar
o Índice de Segurança Alimentar (ISA). Trata-se de um índice mensal de preços
dos alimentos que, englobando 18 produtos, pretende servir de referência para
avaliar a evolução da insegurança alimentar da população pobre
paulistana. A
divulgação desse índice é muito oportuna. Desde 2007, o mundo todo vem passando
por uma crise dos alimentos que parece estar longe de terminar. Os dados da FAO
mostram que, entre fevereiro de 2010 e de 2011, os preços dos alimentos tiveram
acréscimo de 34,2% e somente nos dois meses iniciais do corrente ano o aumento
foi de 6%1. Essa situação vem provocando crescimento expressivo do
número de famintos do mundo como não se registrava há muito tempo.
Outro
fato que reitera a oportunidade do ISA é que a inflação brasileira vem superando
a meta de 4,5% fixada pelo Conselho Monetário Nacional e os preços dos alimentos
têm dado contribuição expressiva para essa alta. Nos anos de 2007 e 2008, o
grupo dos alimentos e bebidas foi o que mais contribuiu para a alta do Índice de
Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), indicador oficial da inflação do
país2. Em 2010, os preços dos alimentos voltaram a liderar a elevação
dos preços: o IPCA registrou crescimento de 5,91%, sendo 40% devido à alta de
10,39% dos preços dos alimentos e bebidas3. No
Brasil, em condições normais, a insegurança alimentar é muito mais uma questão
de acesso que de disponibilidade. O país é exportador líquido de alimentos, mas
em virtude da elevada concentração de renda, um grande contingente da população
vive sob insegurança alimentar4. Assim, avaliar a evolução dos preços
dos principais alimentos da população de baixa renda é uma maneira indireta de
avaliar as mudanças nas condições de insegurança alimentar da coletividade e,
por essa razão, o índice ora apresentado foi denominado índice de segurança
alimentar. A
partir de um corte arbitrário, as famílias que vivem com renda mensal de até
dois salários-mínimos foram consideradas pobres5. Os preços para
estimativa dos índices procedem do levantamento sistemático realizado pelo IEA
para os produtos de origem agrícola no mercado varejista do município de São
Paulo6. A estrutura de ponderação tem por base o consumo de alimentos
no domicílio das famílias pobres levantado na última POF, realizada pelo IBGE
entre 19 de maio de 2008 e 18 de maio de 2009, também para o município de São
Paulo7. Para
definir os fatores de ponderação, os produtos foram agrupados por semelhança. Em
seguida, para compor o índice, foi escolhido o produto de cada grupo com maior
participação nas despesas das famílias pobres paulistanas. O acém, por exemplo,
foi empregado para representar o grupo que engloba todos os tipos de carne
bovina, com participação de 16,56% no índice (Tabela
1)8. A
seleção dos 18 produtos componentes do ISA foi feita após construção de vários
índices, com o emprego da fórmula de Laspeyres, para o período entre janeiro de
2007 e setembro de 2010, tendo por base o início da série. O primeiro,
denominado Índice de Preços dos Alimentos (IPRA) engloba todos os 63 produtos
levantados pelo IEA e constantes da POF. Os demais constituem simplificação do
primeiro: foram sendo descartados produtos, construídos novos índices e
confrontados ao IPRA, até chegar àquele que, com o menor número de produtos,
mais se assemelhasse ao IPRA. Desse procedimento resultou o ISA, composto de 18
produtos cuja semelhança com o IPRA pode ser verificada na figura
19. Tabela 1 - Fator de Ponderação
dos Produtos no Índice de Segurança Alimentar (ISA) das Famílias com Renda
Mensal de até Dois Salários-mínimos, Município de São Paulo, Maio de 2008 a Maio
de 2009
Produto |
wi (%) |
Produto |
wi (%) | |||
1 |
Frango limpo |
17,99 |
10 |
Feijão |
2,94 | |
2 |
Acém |
16,56 |
11 |
Tomate de mesa |
2,82 | |
3 |
Pão francês |
12,17 |
12 |
Café em pó |
2,79 | |
4 |
Leite tipo C |
11,78 |
13 |
Bolacha |
2,53 | |
5 |
Óleo de soja |
6,01 |
14 |
Arroz |
2,49 | |
6 |
Banana nanica |
3,99 |
15 |
Laranja |
2,18 | |
7 |
Açúcar refinado |
3,44 |
16 |
Farinha de mandioca |
2,16 | |
8 |
Bisteca suína |
3,28 |
17 |
Batata |
2,03 | |
9 |
Queijo mussarela |
3,02 |
18 |
Alface |
1,82 |
Fonte: Dados básicos do INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA - IBGE. Pesquisa de orçamentos familiares: 2008-2009. Rio de Janeiro: IBGE, 2010. CD-ROM.
Figura 1 - Índices de Preço de Alimentação no Domicílio, São Paulo, Jan./20071-Abr./2011.
1Jan./2007 = 100.
Fonte: Dados básicos do INSTITUTO DE ECONOMIA AGRÍCOLA - IEA. Banco de dados. São Paulo: IEA, 2010. Disponível em: <http://ciagri.iea.sp.gov.br/bancoiea/indices_new.aspx>. Acesso em: abr. 2011; e do INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA - IBGE. Pesquisa de orçamentos familiares: 2008-2009. Rio de Janeiro: IBGE, 2010. CD-ROM.
A
partir desses índices, pôde-se observar que os preços dos alimentos consumidos
pelos pobres paulistanos registraram nítida tendência crescente na maior parte
do período analisado. Análise de regressão log-linear indica taxa média mensal
de 0,84% entre janeiro de 2007 e setembro de 201010.
A atualização do ISA até a última estatística disponível (abril de 2011) mostra aceleração no ritmo de aumento dos preços dos alimentos pagos pelos consumidores paulistanos de baixa renda. Nos últimos 12 meses, a taxa média mensal de crescimento evoluiu para 1,23%, acumulando 12,30%. Nos primeiros 4 meses de 2011, apesar de deflação de 2,1% em fevereiro, ela recuperou a tendência de alta registrando 1,51% e 1,66% em março e abril, respectivamente. Com isso, o ISA acumulou acréscimo de 2,43% nesse início de 2011, número que corresponde a mais da metade da meta inflacionária para o ano.
____________________________________________________________________________________________________
1FOOD AND AGRICULTURE
ORGANIZATION OF THE UNITED NATIONS – FAO. World food situation. Rome:
FAO, 2011. Disponível em:
<http://www.fao.org/worldfoodsituation/wfs-home/foodpricesindex/en/>.
Acesso em: 9 mar. 2011.
2Em 2007 e 2008, o IPCA
registrou alta de 4,46% e 5,90%, respectivamente, e os alimentos foram os
principais responsáveis, registrando índices de preço acima de dois dígitos. Ver
mais em: INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA - IPEA. Ipeadata.
Brasília: IPEA, 2010. Disponível em:
<http://www.ipeadata.gov.br/ipeaweb.dll/ipeadata?983781828>. Acesso em: 2
maio 2010.
3SARAIVA, A. Inflação
oficial fecha 2010 com alta de 5,91%, maior nível em 6 anos. Economia,
São Paulo: Estadão, 7 jan. 2011. Disponível em:
<http://economia.estadao.com.br/noticias/economia,inflacao-oficial-fecha-2010-com-alta-de-591-acima-do-centro-da-meta,50084,0.htm>.
Acesso em: 2 maio 2011. Também em 2007 e 2008, os alimentos foram os principais
responsáveis pela inflação brasileira, registrando índices de preço acima de
dois dígitos. Ver: INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA – IPEA.
IPEADATA. Disponível em:
<http://www.ipeadata.gov.br/ipeaweb.dll/ipeadata?983781828>. Acesso em: 2
maio 2010.
4Em 2004, a PNAD
identificou mais de 72 milhões de brasileiros em condições de insegurança
alimentar.
5Esse corte facilita a
comparação com outras pesquisas, bem como com a própria POF que apresenta
resultados para sete faixas de renda, sendo a primeira delas até dois
salários-mínimos.
6INSTITUTO DE ECONOMIA
AGRÍCOLA - IEA. Banco de dados. São Paulo: IEA, 2010. Disponível em:
<http://ciagri.iea.sp.gov.br/bancoiea/indices_new.aspx>.
Acesso em: abr. 2011.
7INSTITUTO BRASILEIRO DE
GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA - IBGE. Pesquisa de orçamentos familiares:
2008-2009. Rio de Janeiro: IBGE, 2010. CD-ROM.
8Todos os cortes de carne
bovina totalizaram 13,83% das despesas com alimentação na POF. No entanto, foi
empregado o fator de ponderação de 16,56% no ISA e a diferença se deve ao fato
de que nem todos os produtos listados na POF 2008-2009 constam do levantamento
de preços no varejo do IEA. Foi possível identificar coincidências para 63
produtos que resultaram em participação na despesa das famílias de 87,61%. A
diferença de 16,49% foi distribuída proporcionalmente entre os produtos
componentes do índice.
9Para verificar
estatisticamente a adequação do uso do ISA como proxy do IPRA, foram realizados
testes das diferenças das séries e os resultados permitem concluir que ambas são
realizações de um mesmo processo aleatório. Ver: CARVALHO, M. A.; SILVA, C. R.
L. Medindo a insegurança alimentar: uma proposta simplificada de índice de preço
dos alimentos. In: CONGRESSO DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE ECONOMIA, ADMINISTRAÇÃO
E SOCIOLOGIA RURAL, 49., 2011, Belo Horizonte. Anais... Brasília: SOBER,
2011.
10Regressão log linear
das séries ISA e IPRA resultou em taxa mensal de crescimento de 0,8378% e
0,8395%, respectivamente. Os coeficientes foram significativos a menos de 1% e o
coeficiente de determinação ajustado ficou próximo de 80% nos dois
casos.
Palavras-chave: segurança alimentar, preços agrícolas, índice de preços.
Data de Publicação: 17/05/2011
Autor(es):
Maria Auxiliadora de Carvalho (macarvalho@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
César Roberto Leite da Silva Consulte outros textos deste autor